ATENÇÃO! Este texto contém spoilers sobre os filmes (e livros) "Como eu era antes de você" e "A Culpa é das Estrelas"
(Foto: Reprodução/Youtube) |
Demorei um tempo para absorver o filme "Como eu era antes de você". Não foi como em "A Culpa é das Estrelas", que teve um efeito instantâneo: dava para encher uns três baldes de água com o tanto que chorei naquele cinema. Já o primeiro filme, mesmo com o final trágico e a carta póstuma mega-clichê, não despertou as mesmas emoções. Saí do cinema curioso e pensativo, tentando entender o que a autora JoJo Moyes (do livro que gerou o filme) quis passar com essa história toda.
Vamos lá: gostei muito de "A Culpa é das Estrelas". Os personagens são ótimos, têm muita química, os diálogos são fofos, o final é esmagador, a trilha sonora é encantadora. Mas, por outro lado, não existe uma "poesia" na morte do protagonista (eu avisei que este texto tem spoilers!). A morte é um plot twist na história, mas acaba por aí. Depois do falecimento, temos uma sucessão de cenas tristes e fim.
Em "Como eu era antes de você", a diretora Thea Sharrock e a autora JoJo Moyes, deixam, além da tristeza, a dúvida. Eu e meus colegas encarávamos a tela do cinema, escutando o fungo das pessoas ao lado e pensávamos: isso precisava mesmo acontecer?
Para você que não conhece a história, vou contextualizar. Louisa Clark (Emília Clarke) é uma personagem divertida e caricata, de origem simples e querida pelas pessoas ao redor por seu jeitinho engraçado e as roupas chamativas e bizarras, como meias amarelas e pretas que cobrem a perna inteira. Ela é contratada para cuidar de William Traynor (Sam Claffin), um jovem rico que foi atropelado e ficou tetraplégico.
Por conta da sua nova condição, Will parou de praticar esportes e perdeu a namorada. Como resultado, temos um personagem rabugento e extremamente grosseiro - exatamente o oposto da bem-humorada Lou. A relação entre os dois é inicialmente complicada, mas vai se ajeitando com o passar do filme e um aprende com o outro. Will deixa de ser tão grosseiro e Lou passa a agir com menos inocência.
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Até aí, tudo bem. Apesar do protagonista tetraplégico, é uma proposta relativamente clichê. Um casal com vários pontos em discordância, trocam faíscas no início e se apaixonam no fim. Porém, a autora decide colocar uma discussão política no meio dessa história toda: suicídio assistido.
Aos que não sabem o que é um suicídio assistido, imagine que você está com vontade de se matar (pelo amor de Deus, apenas imagine!). Ao invés de pular pela janela, você liga para uma empresa e agenda um dia e horário para que a sua morte aconteça. Assina contrato, espera a data chegar e, pronto! Nem preciso dizer que esta é uma prática polêmica, né? Não-aprovada em diversos países (inclusive no Brasil), a discussão esbarra em direitos humanos e conceitos religiosos.
Na história, Will está decidido a morrer. Além de não saber disso, Lou não imagina que a sua contratação tinha o objetivo de fazer o rapaz mudar de ideia. E o filme dá todas as dicas de que Will realmente voltará atrás na decisão e viverá um relacionamento feliz e colorido ao lado da garota.
Mas ele não muda de ideia. E morre. E é aí que entra o "isso precisava mesmo acontecer?".
O filme foi duramente criticado por deficientes físicos, alegando que a história estimula o abandono e coloca a morte como algo mais efetivo que um serviço social. Este debate pode ficar para outra hora, tudo bem?
Agora vamos falar sobre a decisão de Will, imaginando a cadeira de rodas e sua condição física como metáforas para limitações internas e externas. Vendo a história por este lado, é possível dizer que "Como eu era antes de você" fala sobre o medo de se relacionar com alguém por conta de problemas que são nossos.
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Pense bem, alguma vez você deixou de receber alguém na sua casa porque estava bagunçada? Você tinha duas opções: limpar a casa (e nem sempre isso é fácil e rápido) ou receber a visita apesar da situação. Porém, preferiu "suicidar o rolê", deixar de lado e perdeu a chance de ter uma "noite da pizza", um café da tarde, uma "sessão pipoca" ou até algo mais (if you know what i mean). A bagunça virou uma limitação.
A bagunça também serve para exemplificar as nossas características, nossos defeitos, preocupações, egoísmos, entre outros. Nem sempre conseguimos pegar uma vassoura e um rodinho para limpar as limitações que existem na nossa própria cabeça, certo? Assim como Will estava em uma condição sem retorno. Porém, ainda temos a opção de receber a pessoa na nossa casa e dizer "está bagunçado, mas espero que você fique bem aqui". Quem sabe a pessoa não ajuda a limpar?
É o que poderia acontecer entre Lou e Will - e acontece quase diariamente nas nossas relações interpessoais. É claro que a protagonista não era uma curandeira que faria uns paranauê e Will voltaria a se mexer do pescoço para baixo. Mas, se ele permitisse, ela poderia ajudá-lo a conviver dentro dessa condição e, o mais importante, ser feliz com isso.
Vale assistir "Como eu era antes de você" com este olhar sempre que você deixar de se relacionar com alguém por conta das suas limitações. Você não precisa fazer um suicídio assistido com a sua felicidade. Só peço que, por favor, não use meias como as da Lou. Elas são bregas.
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