quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Apesar dos furos, "Nerve" usa e abusa de boas táticas para dialogar com o público jovem

Divulgação: Paris Filmes
Além das questões políticas, “Jogos Vorazes” fez sucesso com uma premissa básica: um reality show de violência gratuita entre adolescentes. Aí temos uma metáfora, já que nada define melhor a juventude do que um “jogo voraz”. Todo probleminha parece problemão, o vestibular chega que nem um exército, os “crushs” começam a aparecer (e desaparecer), alguns amigos vão embora, outros ficam, os pais e as cobranças parecem insuportáveis, e blá, blá, blá. Um drama sem fim. Uma tragédia! 

Unindo a metáfora apresentada, com os tempos de Snapchat e Pokemon GO, surge o filme “Nerve - Um Jogo Sem Regras” - complemento muito infeliz que colocaram ao nome, já que o jogo é repleto de regras. O filme, apesar de cometer pecados grosseiros quando questionamos a sua qualidade cinematográfica, não deixa de ser divertido, despretensioso e perfeitamente contemporâneo.

A protagonista Venus/Vee (Emma Roberts) é uma garota inibida que, após um momento humilhante, decide extravasar e se inscrever em um jogo online chamado Nerve. O jogo funciona como um pacto entre os adolescentes: todos eles sabem da história, caminham com os celulares pelas ruas, tão viciados como em Pokemon Go, mas guardam segredo dos adultos e da polícia. Vamos combinar que isso é bem improvável, né? Embora o roteiro tente justificar essa questão ao longo da história, não é nem um pouco convincente. 

Os jovens podem participar do Nerve de duas maneiras: observador ou jogador. Os que escolhem a primeira opção - a grande maioria - são os que comandam, criando desafios para os jogadores e recompensando-os com dinheiro. Os observadores cadastram-se para assistir, interferir e filmar a rotina dos jogadores, impondo desafios que estes devem ser obrigados a aceitar ou são desclassificados e perdem dinheiro. Além disso, eles devem ficar com a câmera do celular ligada praticamente o dia todo - e a bateria não acaba nunca! 

A protagonista escolhe ser jogadora, mas a questão do “dinheiro” também fica solta na história. A motivação para que Vee cumpra os desafios é muito mais pessoal - ela quer provar algo para si mesma. É claro que ela se empolga quando o bolso começa a encher, mas isso não interfere na trama.

Logo no primeiro desafio, ela conhece Ian (Dave Franco). Os observadores gostam tanto da ideia de vê-los juntos, que começam a bolar desafios para que eles tenham um relacionamento. Promovem encontros, beijos, testes de confiança, entre outros. Ian e Vee entram na brincadeira, até que ela toma proporções absurdas e os observadores deixam aparecer o lado mais “voraz” dos desafios, colocando o casal em situações arriscadas e perigosíssimas.


Ian (Dave Franco) e Vee (Emma Roberts) vivem um romance ou um jogo? (Divulgação)
O filme é uma adaptação do livro que leva o mesmo nome (sem o complemento ridículo), escrito por Jeanne Ryan. A direção é por conta de Ariel Schuman e Henry Joost, que trabalharam juntos em “Atividade Paranormal 3” e na série da MTV, “Catfish”. Ariel e Henry, apesar de seus 35 anos, souberam como construir um filme que dialogue muito bem com os jovens, atendendo as demandas deste público nos mais diversos aspectos.

Começando pela escolha do casal principal: Emma Roberts e Dave Franco. Ela já é queridinha deste público por filmes como “Garota Mimada” e “Se enlouquecer, não se apaixone”, além de interpretar muito bem a cômica protagonista da série “Scream Queens”. Dave é um Zac Efron mais novo, que  obviamente ganha alguns minutos do filme para exibir seu tanquinho. 

A trilha sonora não fica para trás nessa proposta, sendo que as músicas pops e hits a la Jovem Pan tomam conta de vários minutos da história. Esse truque empolga os jovens, mas causa dor de cabeça nos mais velhos - e não separo “jovens” e “velhos” pelas idades, ok? Em alguns momentos do filme, senti-me muito velho.

Os “letterings” entram e saem o tempo todo, dando a impressão que estamos dentro de uma tela gigantesca de celular - o próprio filme já começa dentro de um MacBook. Aqui vale um destaque muuuito negativo para o trabalho muito porco de tradução do filme. Somente alguns dos textos que ganham espaço na tela foram traduzidos. Sendo assim, em uma única sequência vemos a mesma frase aparecer duas vezes: uma em português, a outra em inglês. A impressão que ficou é a de um trabalho feito pela metade e apressado.


A dinâmica “observador-jogador” pode ser comparada com o sucesso que os influenciadores digitais conquistaram no(s) último(s) ano(s). Sempre vejo vídeos do Christian Figueiredo, RezendeEvil, Kefera, entre outros, pedindo para serem desafiados, criando e vivendo situações moldadas pelo público - e, sim, os caras ganham muito dinheiro com isso. 

Ouso dizer que, apesar das inúmeras falhas e furos no roteiro, apesar de fazer um uso mediano de uma premissa ótima, “Nerve” é uma hipérbole das maravilhas e dos perigos no mundo jovem digital. E, sim, tem uma mensagem pra passar. E, sim, eu curti demais!



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